segunda-feira, 24 de março de 2008

Traquinagem

Ganhara um novo brinquedo. A novidade do momento. Claro que era o sonho de todas as crianças.

O único senão era que não poderia levá-lo consigo, nem para se exibir para os amigos. E seus pais alertaram-lhe que, se o quebrasse, não haveria como consertar. A própria embalagem advertia quanto a isso, em letras garrafais.

Dentro da forma retangular podia observar o seu boneco. Era um pouco parecido com um que tivera anteriormente e, num descuido, partira-se em muitos pedaços e fora direto para a evacuação. Chorara tanto daquela vez, fora realmente um acidente... por saberem disso que os pais aceitaram comprar-lhe este, muito mais evoluído que aquele que se estragara.

Era o boneco de um homenzinho. Ele fazia coisas. Da outra vez era uma mulher e ela agia de modo estranho. Este tinha sido muito mais bem construído. Era elaborado.

O boneco era acordado todos os dias, no mesmo horário, por um despertador estridente. Quase sempre ele já tinha levantado antes mesmo do despertador tocar. Dormia com um pijama velho. Pelo que observara logo na primeira vez, o pequeno boneco tinha tanto apreço por seus pijamas que não ia às lojas comprar uns novos. Bem, em seguida ele ia para o banho, escovava os dentes e fazia a barba no chuveiro. O negócio da barba era engraçado. Ele raspava aqueles pelos todos os dias. E sempre brotavam novos no lugar. Mesmo assim, o boneco insistia em cortá-los e uma vez chegou até a ferir-se na manobra. Depois levava algum tempo vestindo-se e a roupa era bonita e bem cuidada. Perfumava-se e fazia tudo isso com muita pressa, como se o tempo fosse muito precioso.

Engolia rapidamente o café-da-manhã e saía. Dirigia seu carro sempre nos mesmos trajeto e direção. Ia com uma ar feliz. Vez ou outra ficava nervoso, abria a janela e gritava com outro motorista.

Estacionava num local já quase lotado por outros automóveis. Entrava então no prédio em que trabalhava, subia ao seu andar levado por um elevador, que estava sempre cheio de outros bonecos com roupas e pastas muito parecidas com as do seu. As cores variavam um pouco, então não parecia tratar-se de um uniforme.

Já na sua sala, o boneco sentava, começava a falar ao celular, mexer no computador e olhar para papéis que eram trazidos por bonecos que entravam de quando em quando. Havia uma boneca que entrava mais vezes do que os outros.

Seu boneco raramente saía daquela sala. Comia ali mesmo, ou não se alimentava. Parecia mesmo muito ocupado. As expressões de seu rosto variavam. Por vezes brigava, daí a pouco já estava rindo, mas sem parar de falar. Tomava muito café de uma máquina próxima que ficava no corredor. E o boneco ficava ali até o anoitecer, e sempre era um dos últimos a ir embora. Voltava para a casa com sua malinha onde levava o minúsculo computador e continuava falando ao celular.

Dentro do carro fazia uma cara emburrada, porque os outros veículos ficavam parados e não o deixavam passar.

Ao chegar ligava um aparelho que continha outros bonecos parecidos com ele. Seu boneco era fascinado por ele, pois até comia em sua frente. Parecia desejar ser igual àqueles bonecos presos dentro do aparelho.

Os telefones não paravam de tocar, e as discussões eram intermináveis. Seu boneco tinha muitos problemas para resolver, e tinha uma expressão preocupada durantes os telefonemas noturnos.

Quando o boneco deitava-se para dormir, rolava para lá e para cá por muito tempo. Uma vez o viu levantar-se para ver novamente o aparelho com os prisioneiros. Ficara assim até amanhecer. Mas fora só uma noite, ao menos que tivesse visto.

E o outro dia foi exatamente igual. E o próximo também. E assim aconteciam sempre as mesmas coisas. Será que estava com defeito?

Perguntou a um amigo que também ganhara um daqueles e ele disse que era assim mesmo, mas que se prestasse bastante atenção notaria que em alguns dias o boneco fazia coisas diferentes. Só era preciso estar atento, dar uma espiada de vez em quando.

Mesmo assim, estava decepcionado. Que coisa mais monótona! Precisava fazer alguma coisa.

Apesar de todas as recomendações dos pais, deu uma mexidinha no brinquedo para ver o que acontecia. Seu boneco fez uma cara muito assustada. Outros bonecos começaram a correr e atrapalharam-se todos. Isso com certeza era mais divertido.

Resolveu chacoalhar com força. Aí a confusão foi total. Os componentes estavam quebrando e os bonecos também. Fizeram muito escândalo quando alguns deles pararam de funcionar. Já não sabia qual era o seu boneco, mas estava tão entretido que esquecera-se dele.

Foi seu pai quem o pegou fazendo exatamente o contrário do que lhe tinha ensinado. Levou uma bronca e tanto e seu brinquedo, que estava tornando-se tão empolgante, foi destruído no mesmo instante como castigo.

Dessa vez nem chorou. Não tinha importância. No fundo era mesmo um brinquedo bobo.

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