segunda-feira, 24 de março de 2008

Eu, Eles, Os Outros


Ouço o relógio. Tic. Tac. Tic. Tac. Sinal de que há tempo. Há o tempo. Tic tac. Se há o tempo há a fuga. Estranhos rumores. Poderei sair? Há lá fora. Com certeza. Tenho medo. Poderia tentar abrir a porta. Mas Eles estão lá. Eles tudo vêem. Eles tudo sabem. Eles me dão muito medo. Os Outros me avisariam se eles não estivessem mais lá. Não deram mais notícias. O que teria acontecido comigo se não fossem Os Outros? E se Eles os pegaram? Não. Tenho que ter Fé e Confiança. A Fé e A Confiança deram-me tudo. Desde a vida. Basta acreditar. Sempre foi assim e sempre será. Tenho certeza de que Os Outros virão me salvar, buscar, libertar. A Ajuda Necessária sempre me valeu. Tenho que ser forte. Acalmar a mente. Se ao menos tivesse algo para fazer. Esse nada é Opressão. Sufoca. Continuo confiando nos Outros. Confiança cega. Eles... sinto o Ódio . Deve ser o peso da derrota aproximando-se. Eles não sabem perder. Não conseguem. Pagarão por tudo. Quase sinto a Pena. Mas não posso. Eles devem sofrer. Estou muito cansado. Às vezes tenho certeza de que Os Outros foram para outras terras e me esqueceram aqui. Mas sei que isto é o que Eles querem que eu pense. Este não sou Eu. Esses são Eles. Tolos. Pensam que Eu não sei. Que continuem tentando. Sou uma couraça. Armado até os dentes com minha Fé. Sou um forte. Jamais serei derrotado. Nunca desisti. Nem quando me faltaram as pernas e caí. Tombei e levantei-me renovado. Deixo-os cogitar. Sorrio em meu íntimo. Como foram vãs suas tentativas. Estou aqui e firme. Sim, meus olhos já não enxergam tão longe. Sim, minha pele tornou-se encarquilhada. Meu peito mal se enche de ar. Meus dentes são poucos agora, não posso mais caminhar seguro. Não controlo meu corpo, mas minha vontade é inabalável. Fé e Confiança.

Abro os olhos. Escuridão. Sim, tenho certeza de que os abri. Tateio atrás da luz. Em vão. Vou levantar-me. Vou... é, não vou. Simplesmente não posso. Minhas pernas atrofiadas não se movem. Agora despertei. A situação é esta. Difícil. Sim, muito. Sinto. Vou gritar. Não há som. Ao menos Alguém chegará? Não pode acabar. Onde estão Os Outros? Eu queria mesmo que fossem Eles. Já não sinto medo deles. Eles, Os Outros, Alguém? Tudo menos isto. Tudo menos nada. O silêncio.

Tive um pesadelo. Tenho certeza de que o foi. Eu era muito pequeno. Um grão. Que bobagem... Sou enorme e forte. Sempre fui, sempre serei. Meus músculos são de se invejar. Tenho muito orgulho deles. Meu reflexo é esplendoroso. Sei que sou belo. Não é vaidade. É real. E amo que seja assim. Tenho tudo, sou completo. Fiz por merecer. E continuo fazendo o certo. Eles olham por mim. Os Outros estão presos. Ficarão assim até apodrecer. Miseráveis. Sei que pensam ser o que não são. Os Outros têm medo. Eu dou risada do medo. Os Outros são ninguém. Ainda bem que estou do lado certo. Os justos. São Eles. Sou Eu.

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