segunda-feira, 24 de março de 2008

A Indecisão do Juiz

Começou com um pacote lacrado, comum, enviado pelo correio. Ao abri-lo, tomou um susto. Já não tinha mais idade nem paciência para uma brincadeira de mau gosto como aquela. Era um senhor respeitado por todos. Fora magistrado por muitos anos e tudo que conquistara viera pelo seu próprio esforço, longas noites passadas em claro, estudando e aprendendo sempre, para que não cometesse injustiças. E agora, aquilo. Resolveu desconsiderar. Uma piada infame.

Alguns dias depois, outro incidente. Em meio a um caso que se arrastava com a morosidade habitual da Justiça, cega ou não, lenta sempre. Um dos jurados levantara-se em meio à audiência e, olhando-o fixamente, murmurara as estranhas palavras. Estas tomaram-lhe a mente por um bom período. Funesto fora o fato de que nenhum dos presentes parecera ter ouvido ou notado qualquer anormalidade.

Dirigindo em meio ao caótico trânsito da cidade, sintonizara em sua estação de rádio predileta. De repente, a música parou e ele ouviu, atônito, a mesma voz, agora alta e clara. A frase idêntica foi repetida. Já estava parecendo um refrão daquelas músicas cansativas que se repetem sem parar, mesmo depois de horas passadas desde que as ouvimos.

Era um homem prático e pôs-se a considerar a situação racionalmente. Havia um problema. Faltava apenas achar a resposta. O caminho a seguir. Não poderia viver assustado com a possibilidade de, a qualquer momento, em qualquer lugar, ser perseguido pelas duras palavras.

A primeira hipótese, e talvez a mais sensata, era a de que estava exausto pelo trabalho incessante e aquela era uma forma do stress manifestar-se. A segunda, a que o deixava temeroso, era a de que tinha perdido completamente o juízo. De qualquer maneira, estava com certeza sofrendo alucinações.

Pensou em contar à esposa, mas esta ficaria assustada e atormentada. Pensaria que ele tinha enlouquecido, nem sabia qual seria sua reação. No fundo tinha vergonha de falar sobre isso com qualquer pessoa. Seus filhos achariam que ficara gagá. Não pôde deixar de rir-se com a idéia. Essa juventude... mas um dia também fora moço e compreendia.

Talvez se procurasse um psicólogo, uma pessoa especializada, um psiquiatra até, provavelmente já estariam acostumados com situações como aquela. Essa solução era a mais acertada.

Havia desligado o rádio há tempos e agora estava parado no farol vermelho, enquanto considerava tais hipóteses e saídas para o que lhe afligia. Qual não foi seu espanto quando, soando incrivelmente nítida, aquela voz agora já familiar voltou. Sua audição não era capaz de distinguir de onde ela provinha. Mas o que ouviu nesse instante era diferente. A voz alertava-o de que não havia mais tempo.

Por fim o farol abriu. Estava realmente atemorizado. O que aconteceu a seguir foi muito rápido. Um caminhão vinha na contramão e atirou-se contra seu automóvel. Sentiu sua alma abandonar o corpo que fora tomado por convulsões e por fim quedara-se inerte. Uma gigantesca mão estendeu-se para ele por entre as nuvens. Subiu aos céus com um derradeiro pensamento: deveria ter dado maior atenção à mensagem. Mas onde estava a garantia de que aquele tinha sido um bom conselho?

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