segunda-feira, 24 de março de 2008

Obsessão

Este era realmente um de seus passatempos prediletos. Assim que chegava em casa, esquecia-se de tudo frente ao computador. Transportava-se imediatamente para aquele universo de batalhas sangrentas, em que todos morriam e renasciam sem cessar. Era um bom jogador, não usava de trapaças como sabia que muitos faziam, recusava-se a lutar contra esses e nem os aceitava como parceiros. Costumava liderar o seu grupo, era invariavelmente o campeão no número de mortes de inimigos. Raramente era pego de surpresa.

Mergulhado naquele mundo fictício de policiais e terroristas, não tinha olhos nem ouvidos para mais nada. A mãe o chamava para jantar, o cachorro lambia sua mão pedindo atenção, mas desistiam porque não havia qualquer reação por parte dele. Estava totalmente submerso e concentrado naquela pequena tela.

Casou-se. Parecia apaixonado. Era de se esperar que abandonasse aquele passatempo. Mas não foi assim. Teve filhos, e agora não era mais o cão que implorava por um afago. Eram crianças. Não era mais sua mãe que o importunava com ameaças de desligar o maldito computador, mas sim sua mulher. Que não possuía a paciência da mãe, nem do cão. Contudo, o que ela pedia era impossível. Ele não podia de uma hora para outra abandonar algo que lhe dava tanto prazer.

Passaram-se os anos e notou por fim que não havia mais mãe, cachorro, mulher ou filhos. Finalmente deixariam-no jogar em paz.

Foi com olhos esbugalhados em sua cadeira giratória que o encontraram, amarelo e esmaecido, preso àquela guerra da qual não conseguia libertar-se.

No hospício em que fora internado, era apenas mais um, com suas próprias manias e cacoetes de alienado. Se observassem-no com atenção, perceberiam que suas mãos moviam-se como aquelas que seguram um mouse e seus olhos inquietos não desgrudavam-se de algo que só ele podia enxergar.

Ignorava completamente as visitas, que acabaram por desistir, deixando-o livre para matar com suas armas e munições cada vez mais poderosas.

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