segunda-feira, 24 de março de 2008

A Grande Mãe

Um profundo suspiro fez-se ouvir. Ali estava ela, cercada por suas crias. As crianças causavam tamanho alvoroço, moviam-se tão rapidamente que era impossível determinar de quantas se tratava. Rodeavam a mulher e subiam-lhe ao colo, pulavam em seu pescoço, abraçavam-na, beijavam-na, lambiam-na numa atividade ininterrupta.

Grande parte delas comia, bebia, urinava... Outras realizavam estranhos movimentos de braços e pernas, como se algo as impulsionasse e impedisse-as de parar. Havia as que gritavam. As que cantavam. Moviam-se em ritmo acelerado e eram aparentemente incansáveis. Uma ou outra estava quieta e era difícil distingüi-las no meio daquele tumulto.

O rosto da mulher era impressionante. Não por ter belas feições, eram até bastante comuns. O chocante era que continha um misto de emoções, variando umas atrás das outras, alternando-se de forma que sua face parecia composta de máscaras que se sucediam. Demonstrava amor, seguiam-se resignação, alegria, misericórdia, serenidade, coragem, desespero, paz, sofrimento... aparentemente todos os sentimentos inerentes ao ser humano.

Apesar desse semblante tão variável, seu corpo estava completamente imóvel. Uma estátua viva, sentada em uma enorme poltrona, sendo como que sugada por aquelas criaturinhas impacientes. Estas não sossegavam por um segundo sequer. Não era possível saber-lhes a idade, nem mesmo a da mulher.

Súbito, uma menina começou a chorar, não em um lamento manso, mas em gemidos escandalosamente altos e aflitos, como se sentisse dor ou medo infinitos. Logo foi seguida por outra criança e em instantes todos berravam a plenos pulmões.

Como que em resposta, o corpo daquela mulher, que já trazia no ventre protuberante uma nova vida, ergueu-se e com um simples gesto fez calar a todos. As crianças retiraram-se, silenciosa e organizadamente. A mãe foi logo atrás.

Cortinas negras caíram pesadamente sobre o cenário. A platéia retirou-se com expressão contemplativa. Em seu íntimo, sentiam-se constrangidos. Apesar dos presentes que todos levaram para seus lares aconchegantes, a dúvida instalara-se.

Nenhum comentário: