segunda-feira, 24 de março de 2008

Fim

Lindo amanhecer. Cansa-se de chorar pelo passado. O momento é de ação. Levanta-se. Ainda embriagada... Agonia. Finalmente amanhece. Outro dia nublado? Todos são. Seu coração, sua alma está envolta em nuvens. Abandono. A casa, uma tristeza só de olhar. Ratazanas impiedosas atacaram a despensa. O que sobrou...

Olhar-se ao espelho? Não é mais necessário. Basta ver as próprias mãos. Nodosas, encarquilhadas. Manchas. Velhice? Sobretudo solidão. Filhos, netos? Esquecera-se de seus rostos.

Caixões. Pessoas sendo levadas por alças metálicas. Quem a carregaria?

Um odor nauseante impregna o ambiente. De onde vem? De si. Da velhinha simpática da casa das flores. Árvores, pássaros, orquídeas, principalmente rosas. Quantas vezes espetara-se ao cuidá-las... Tão belas, tão hostis, por vezes.

Hoje veste negro. Luto? Não. É dia de festa, libertação. Comemora que enfim deixará de pensar. Não quer mais pensar. E não há muito para recordar. Ah, a mente a engana. Ilude. Lembra-se muito bem. “Vovó, vovó”. “Mamãe, te amo”. Tão longe, tão longe...

Sente-se suja. Ora, tudo está imundo mesmo. Onde estaria a caixinha? Não, não será difícil encontrar. Prateleira de cima, à esquerda. Claro. Longe dos netinhos...

Sobrara somente o gato. Amigo. Às vezes a atraiçoa. Porém, sempre retorna. Talvez sinta falta da casa e não dela. E ele sabe que ali há ratos. Gordos, apetitosos. Por vezes aparece com uma barata. Deve ser para o sustento dos dois. Esquece-se do bichano e, tateando, finalmente encontra os remédios. De quantos precisará? Tomará os que tiver. São tão caros... Ao menos desta vez serão bem utilizados. E, ainda bem, a garrafa ainda encontra-se pela metade. Será suficiente.

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