segunda-feira, 24 de março de 2008

“Festa (Comemoram na minha ausência)”

Comemoram na minha ausência, na minha casa, sobre a minha mesa, no meu sofá, meu chão (nosso).

Ah, comemoram... O quê?

A doença dos meninos, a operação da mãe?

A tosse, o catarro, a alergia, a febre, a dor, o pranto, a diarréia, o vômito.

Os bebês, a avó?

O ar puro, o céu, a praia, o mar. Inocência.

Comemoram na minha ausência, na minha casa, sobre a minha mesa, no meu sofá, meu chão (nosso).

O marido, o pai, o trabalhador, o cachorro, o escravo.

Comemoram na minha ausência.

Na nossa ausência, no nosso chão, no nosso lar – da mãe, da menina, do menino e do marido, o pai, o trabalhador, o cachorro, o escravo. Comemora quem? (há de ter sido uma festança)

A irmã, o noivo, a irmã do noivo, o irmão, a mulher do irmão e também o marido, o pai, o trabalhador, o cachorro, o escravo.

Comemoram por quê?

Aniversário da irmã.

Comemoram onde?

Na nossa ausência, no nosso chão, no nosso lar, com o marido, o pai, o trabalhador, o escravo, o trouxa.

Não sabes dizer não?

Sabes sim!

À mãe, à menina, ao menino.

Sabes não!

Ao irmão, à irmã, ao noivo, à irmã do noivo, à mulher do irmão.

Dizes não à tosse, ao catarro, à alergia, à febre, à dor, ao pranto.

Dizes não à esposa, ao casamento, à união, ao juramento, ao templo, à monja.

Dizes não sobretudo ao respeito.

Dizes sim ao show, à comemoração, ao bolo, ao vinho, ao jantar, à confraternização, à irmã, ao noivo, à cambada. Negas sua mulher, seus filhos.

Que alegria! Regozijo, brindes, o sorriso (pau-brasil), fartam-se de comer e beber e riem-se na cara do marido, pai, trabalhador, cachorro, escravo, trouxa. Na ausência da mulher, burra, chata, chora por quê? Mimada, egoísta, diferente foi sua criação, temperamento forte, não suportarei um terço do que sua mãe agüentou. Mandona, exigente, infantil, criança birrenta, intransigente, portuguesa de mau gênio. Dilacerada, cortada, sangrando, destruída, hospital, consertamos, está novinha, voltou aos seus dezoito anos!

Sofre, cadela, quem mandou parir três filhos, um morto na barriga, para que abriu as pernas ao pai-trabalhador-escravo? Sofre, cadela, és mulher e foste feita pra parir e ser dilacerada, e romper, e sangrar, ser cortada, costurada e consertada de novo e de novo e de novo e de novo. Sofre, cadela, és mulher e pariste e houve festa na tua ausência.

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