segunda-feira, 24 de março de 2008

Sem Retorno

Olhou pelo retrovisor para confirmar sua suspeita. Estava sendo seguido, e já há um bom tempo. Naquela estrada, em tal horário, poucos eram os veículos que transitavam. Raramente um caminhão, um automóvel que perdera-se no trajeto. Mas não este carro, colado em sua traseira. Inferno! Só lhe faltava essa. Como se não bastassem os problemas que enfrentava, algum lunático resolvera persegui-lo. Tomou outro gole de uísque para aquecer a garganta. Estava cansado daquele frio, do gelo que se instalara até em seus ossos.

Já há quase uma hora vinha com aquele carro maldito quase a encostar-se ao seu. Se tivesse que frear repentinamente, a colisão seria inevitável. Será que o idiota ou os idiotas que o seguiam não percebiam isso?

Não admitia nem para si, mas uma pontada de medo o invadiu. Porém, não era dado a fraquezas. E logo estaria sossegado em sua casa. Além do mais, tinha como defender-se caso fossem assaltantes. Não perdiam por esperar se fizessem gracinhas com ele.

Paralisado de terror, notou surgir claramente à sua frente o que parecia ser uma família. Pessoas paradas assim no meio da estrada, encarando-o fixamente! O pai, a mãe e duas garotinhas. Viu-os num relance e compreendeu imediatamente que não seria possível evitar o atropelamento. Tentou desviar-se, mas chocou-se contra eles. Aconteceu o que mais temia! Um acidente com vítimas era o pior que podia constar de seu currículo. Perdeu a consciência ao dar com a cabeça no volante.

Despertou no acostamento. Como fora parar ali não sabia. Incrível, tinha a seu lado uma das garotinhas que vira tão subitamente surgir à frente do carro. Ela ainda lhe oferecia uma garrafinha d’água! Não parecia machucada ou amedrontada. Era surpreendente, ainda mais com aquele carro que o perseguia que devia ter batido no seu, como previra.

Eis que surge o homem, a mulher e a outra criança, a observá-lo com naturalidade, como se aquela fosse uma situação normal. Nenhum deles aparentava estar ferido e possuíam uma expressão serena demais para quem acabava de sofrer um acidente.

Acabou por tomar a água que a menina lhe oferecia, para se recuperar do que pelo visto fora somente um enorme susto. Sentiu-se imediatamente aliviado. Afinal, não ocorrera o mais provável. Mesmo assim, o que faziam aqueles loucos, desvairados, insanos, malucos de pedra no meio de uma estrada abandonada como aquela, como se não bastasse, de madrugada? Mal abrira a boca para perguntar, notou o carro que o vinha perseguindo com tanto empenho. Não estava amassado como imaginara, pelo que podia observar com a escassa iluminação. Os faróis do carro acenderam-se e lhe ofuscaram a visão, para piorar as coisas.

Um homem todo vestido de roxo saiu do lado do passageiro. Parecia uma alucinação! O estranho sujeito fez-lhe um gesto com a mão, chamando-o.

E esta agora? - pensou, intrigado. Cada vez mais esquisita tornava-se a situação. Devia ser efeito da pancada na cabeça. E seu próprio carro sumira-se na noite!

A menina começou a soluçar baixinho. Ela não emitira um som sequer até o momento. Os pais e a irmãzinha, nitidamente a mais nova, foram consolá-la com afagos. A garota acabou por chorar com tal sentimento que até ele, que não se dava muito com crianças, sentiu muita pena. Por entre lágrimas, ela pediu ao homem de roxo que não o levasse.

Cansou-se daquilo. Levantou-se e foi verificar do que se tratava aquela loucura afinal. Empurrou levemente a garota para que pudesse passar.

Indagou ao estranho homem que diabos estava fazendo. Aquele nada respondeu, apenas indicou-lhe o banco do motorista, que encontrava-se vazio. Pela sua expressão, parecia disposto a ajudar. Não tinha outra escolha, pelo menos guiaria o automóvel. O fato de pertencer a um lunático não importava muito a essa altura.

Chamou a todos para que entrassem no carro que possuía apenas cinco lugares. Eles eram muitos mas dava-se um jeito. Que se apertassem como pudessem, não seria capaz de simplesmente abandoná-los ali. Ninguém nessa noite podia estar em seu juízo perfeito.

Porém aquele que em breve seria seu sinistro companheiro de viagem meneou a cabeça em negativa. Segurou-o firmemente pelo pulso e praticamente arrastou-o para dentro do veículo. Os demais afastaram-se lentamente e logo desapareceram por completo. Ele ainda tentou impedi-los, mas não teve forças nem para se libertar. Caiu exausto em frente ao volante e só então percebeu o sangue espalhado por todo o seu corpo. Não estava assim há alguns momentos e agora ele todo parecia uma ferida que adquirira vida própria. Apavorado, percebeu o carro movimentando-se silenciosamente pela estrada vazia.

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